Fonte: Nosso Jornal – Folha Comunitária de Abaeté, 02/12/10
Dr. Andrei, o que é a saúde, a doença, cura e a autocura na abordagem médico-espírita?
A saúde é entendida como o reflexo do equilíbrio do ser em relação às leis divinas. Na visão espírita, o homem é um ser imortal, alguém que preexiste à vida física, que sobrevive ao fenômeno biológico da morte e, ao longo do processo evolutivo, através da reencarnação, vai crescendo, desenvolvendo-se em direção a Deus. A saúde do corpo físico é um reflexo do nível de equilíbrio desse espírito no processo evolutivo perante o amor, o belo e o bem. Já a doença é uma sinalização interior de reequilíbrio, convidando o ser a reconectar-se com o amor e com a fonte. É uma mensagem gerada no mais profundo da realidade espiritual do ser e que se reflete no corpo físico como um convite à reconexão com o amor, ao desenvolvimento do autoamor e do amor ao próximo. Nessa visão, a saúde e o adoecimento são construções do próprio homem e ninguém é vítima de nada, senão de si mesmo, das suas próprias decisões, das suas próprias escolhas, daquilo que decide e determina em sua vida. Portanto, toda cura é também um fenômeno de autocura, porque, para que ela se instale em definitivo, é necessário que haja não simplesmente um alívio dos sintomas e uma resolução do processo biológico no corpo físico, mas também uma reformulação moral do pensamento, do sentimento e da ação, fazendo com que o ser esteja transformado em profundidade, em consonância com a lei divina, ou seja, mais em sintonia com a lei do amor.
O amor é, então, o caminho para a cura?
O amor é o grande medicamento, é a grande finalidade da existência. Na verdade, nós caminhamos em direção a Deus como o “filho pródigo” da parábola de Jesus, reconectando nossa relação com o Pai e retornando para a casa de Deus, que, na verdade, é dentro do nosso próprio coração, onde Deus está. Pouco a pouco, vamos fazendo isso, descobrindo as nossas virtudes, a grandeza íntima que há dentro de nós, tudo aquilo que Deus nos deu como possibilidade evolutiva e que pode nos realizar plenamente. Nesse contexto, o amor representa um movimento medicamentoso por excelência, enquanto movimento de respeito, de consideração, de valorização, de inclusão, de consideração. Ele nos trata as doenças da alma, que são orgulho, egoísmo, vaidade, prepotência, arrogância, e nos coloca em sintonia com a fonte, que é Deus, nos auxiliando a reconectar-nos com o Pai. Desenvolver o amor é o caminho mais rápido, fácil e eficaz para a cura da alma e do corpo.
Nos seminários, você apresentou também o perdão como o caminho para a saúde integral. Fale um pouquinho sobre isso.
Sim, o perdão é condição essencial para a saúde. Sem o perdão, não há paz interior, não há saúde nem física, nem emocional. Shakespeare dizia que não perdoar ou guardar mágoa é como beber veneno, desejando que o outro morra. O veneno age naquele que o guarda, que o cultiva dentro de si. E a mágoa atua dentro de nós na semelhança de uma planta que, uma vez guardada, cultivada, vai crescendo, criando raízes, dá flores, frutos e multiplica-se. E nós acabamos enredados em uma série de dores emocionais, sem que nem saibamos, às vezes, onde tudo começou. Tudo porque vamos guardando as coisas dentro de nós, sem trabalhar, sem dialogar, sem metabolizar emocionalmente aquilo que estamos sentindo, vivenciando. Quando vemos, a situação está numa questão muito profunda e muito grave.
Para que tenhamos paz, é necessário que abracemos o perdão como um projeto. O perdão é uma decisão pela paz, que se traduz em atitudes pelo estabelecimento dessa paz, no entendimento das questões emocionais, das nossas características pessoais, das circunstâncias que envolvem o ato agressor e da responsabilidade e co-responsabilidade nossa no processo. Ele se traduz como um processo, porque não se dá da noite para o dia. Ele se constrói ao longo do tempo e através de atitudes sucessivas de busca dessa metabolização emocional que, muitas vezes, precisa de um acompanhamento terapêutico profissional, através de um psicólogo que faça essa abordagem íntima e ajude-nos a encontrar nossas respostas, sentidos e significados mais profundos.
O perdão passa também pelo acolhimento e aceitação da nossa humanidade e da humanidade do outro, sobretudo, na superação dos traumas, porque só aceitando a condição fundamental do ser humano, de estar num processo contínuo de erro e acerto, é que a gente dá conta de conviver com os equívocos do outro que nos fere e até mesmo com os nossos mesmos. Naturalmente, nós só fazemos para o outro aquilo que fazemos para nós. Então, nós só conseguimos aceitar a humanidade do outro quando aceitamos a nossa própria humanidade, quando acolhemos em nós a nossa capacidade de errar e recomeçar, abraçando o auto-amor como uma proposta de vida. O autoamor é filho da humildade, uma das representações magníficas da amorosidade divina, aquela decisão interna de nos acolher, de nos tratar com ternura, compaixão e com a benevolência que nós necessitamos, embora com a firmeza necessária para domar as nossas paixões e renovarmo-nos de nossos defeitos que julguemos necessários. Então, o perdão é uma atitude de conquista desse estado de paz interior, através do entendimento das circunstâncias que nos envolvem e da decisão pelo amor.
Em Abaeté, é muito grande o número de pessoas viciadas em anti-depressivos, ansiolíticos, bebidas e drogas pesadas, como o crack. O que você poderia falar para essas pessoas?
Toda dependência é uma busca de aplacar o vazio interior através de coisas externas. Mas esse vazio interior, que nós todos temos, só é aplacado pela presença do autoamor. O vazio é um vazio do amor, mas esse amor que nos falta não é o amor que vem do outro, é o amor que vem de dentro, é o amor que a gente pode se dar. Então, para o tratamento e a profilaxia de qualquer processo de dependência, é importante ensinar as pessoas a se valorizarem, se respeitarem, se gostarem. A estabelecerem relações familiares honestas em que as pessoas dialoguem, conversem, estejam atentas umas às outras e partilhem suas emoções, mostrando-se, não de forma idealizada, mas de forma honesta, real, ensinando cada um a ver, em todos nós, luz e sombra, beleza e feúra, coisas positivas e negativas. Nós precisamos aprender a acolher esses dois lados, aprendendo a transformar aquilo que não amamos em nós e a valorizar e desenvolver aquilo que há de bom, de positivo.
A depressão passa pela não aceitação da vida. Há uma mensagem subliminar no depressivo que é: “como não tenho a vida que desejo, não aceito a vida que tenho”. Há também uma mensagem da arrogância, da prepotência de acreditar que, ferindo a si mesmo, fere a própria sociedade, fere o mundo. Muitas vezes, por trás da depressão, há culpas e processos autopunitivos profundos, em virtude da ausência da humildade, em se permitir aceitar a vida como pode ser e de recomeçar quantas vezes forem necessárias para se alcançar a felicidade.
No tratamento da depressão, é importante abordar a questão do desenvolvimento da aceitação da vida, da submissão ativa a Deus. Isso significa “aceitar a vida tal como ela está, mas fazendo tudo para se buscar aquilo que se deseja”, sem abandonar o prazer de viver, sem entrar naquela tristeza patológica, aquela tristeza excessiva que se configura como estado depressivo.
Os antidepressivos são muito úteis quando bem indicados durante um certo período, mas não podem virar uma muleta, eles não são a pílula da felicidade, não podem ser a fonte que nos dão a realização íntima, que aplacam a nossa dor. Nós temos, hoje, na nossa sociedade, uma medicalização excessiva, um uso abusivo de medicamentos, porque não aprendemos a lidar com naturalidade com as nossas emoções. O medo, a tristeza, a raiva, a alegria são emoções básicas, e nós temos que aprender a lidar com elas. Quando não lidamos de forma natural é que elas adoecem, se transformando em mágoa, em pânico, em euforia ou em depressão.
Na nossa sociedade, observamos que há um excesso de medicalização das emoções naturais. Tão logo a pessoa fica triste, já entra com um antidepressivo, um ansiolítico para que ela evite lidar com sua ansiedade ou sua tristeza. Mas a ansiedade e a tristeza são situações naturais da vida, que até um determinado nível são muito positivas e que nos falam muito a respeito de nós mesmos. É importante que o autoconhecimento guie o processo, pra que entendamos o que está acontecendo na nossa alma e na nossa vida. Marta Medeiros fala, de uma forma muito bela, que a tristeza é o quartinho do fundo onde a gente analisa a nossa vida. E é isso que nós temos que aprender: a estudar nossas emoções, nossas características, para retirar delas ensinamentos preciosos a respeito de nós mesmos e do outro e, com isso, nos tornarmos pessoas melhores.
O suicídio pode ser visto como uma doença da alma?
O suicídio é um ato de desespero em que o sujeito tenta matar a dor que há nele e, muitas vezes, ele envolve a família e os outros numa situação de dor ainda maior do que aquela que era a dor original. Por isso, também é uma manifestação de egoísmo. Nós devemos evitar o suicídio em nossa sociedade, estabelecendo acolhimento à dor emocional das pessoas, através de serviços competentes em que as pessoas possam ser escutadas, ouvidas, acolhidas e onde possam ser bem orientadas através de um acompanhamento terapêutico com profissionais competentes, que possam nos ajudar a metabolizar as dores e as dificuldades que vivemos. Precisamos, sobretudo, de um ensino religioso e moral que nos dê base e subsídio para entender quem somos, o que viemos fazer e para onde vamos e uma base moral que nos forneça elementos de estímulo ao desenvolvimento das virtudes que são potências da alma e verdadeiros profiláticos contra o suicídio.
Na visão espírita, o suicídio é um ato muito infeliz, porque o indivíduo reconhece-se vivo do outro lado da vida, matando somente o corpo físico. E aquela dor original, além de não estar resolvida, está aumentada pela circunstância do ato agressor à própria vida. Esse é um direito que nenhum de nós tem. Somente a Deus compete dar e retirar a vida. Então, diante daquele que cometeu o suicídio, nós devemos agir com compaixão e misericórdia, enviando-lhe as nossas preces. As orações sinceras daqueles que amam ou mesmo daqueles que têm boa vontade e desejam auxiliar chegam até o coração daqueles que estão em sofrimento do outro lado da vida como verdadeiros bálsamos, alívios e medicamentos que amenizam seu sofrimento e os auxiliam a prosseguir. Como a vida é eterna, cada um terá a oportunidade de se renovar, de recomeçar, embora tendo que lidar com os resultados infelizes que, às vezes, são sofrimentos desnecessários desses atos de desespero.
Na edição de dezembro, o Nosso Jornal abordou um problema preocupante, que é o número crescente de acidentes de trânsito com vítimas fatais, muitas vezes em veículos dirigidos por menores. O que poderíamos dizer, sobretudo aos pais que têm dificuldade em impor limites, em dizer não, e acabam emprestando o carro ou presenteando o filho menor com motocicletas?
Isso não pode acontecer de forma alguma. Os pais não podem abrir mão do seu direito e da sua responsabilidade como educadores. Nossa sociedade exige que, para uma pessoa dirigir, ela esteja habilitada, e isso somente após a maioridade. Os pais têm que aprender a respeitar isso. Se não respeitam essa condição fundamental básica, assumem as consequências pelos erros daqueles que lhes são responsabilidade direta. Nós sabemos que, hoje, é muito difícil para as famílias aprender a colocar limites, porque vivemos processos educacionais que dão muita liberalidade aos jovens, sem o processo educacional que os ensine a usar a liberdade com responsabilidade. Então, os pais, enquanto educadores morais, não podem abrir mão desse papel. Devem ser aqueles que utilizam de vários instrumentos, procuram ajuda profissional se necessário, mas de forma alguma abrem mão do seu papel, desistindo dos adolescentes a eles vinculados. Precisam ser, sim, aqueles que buscam todos os recursos e meios para fornecer ao indivíduo o elemento educacional, que vem, sobretudo, pelo exemplo, porque os adolescentes aprendem muito mais vendo o que os pais fazem, do que escutando o que os pais dizem. O exemplo da família é extremamente importante no processo educacional, e a sociedade deve ter leis e cumprimentos das leis, deve estabelecer processos educativos para menores que sejam pegos sem habilitação, assim como para aqueles que sejam pegos alcoolizados, dirigindo, colocando em risco a sua vida e a vida de outros. E os pais devem agir com responsabilidade também, estabelecendo processos internos na dinâmica familiar que sejam processos delimitadores quando os menores ou quando os indivíduos, mesmo maiores, atinjam esse nível de irresponsabilidade, colocando em risco a sociedade. É dever dos pais fazer essa delimitação.
Inclusive, com internet, não é? Os jogos de internet que são viciantes também…
Jogos viciantes, agressivos, que desenvolvem a agressividade no indivíduo e que, muitas vezes, alienam o indivíduo da vida de relação. Nós temos visto adolescentes viciados em jogos de internet que não priorizam a relação com o outro, o estar fora de casa, o conviver. Com isso, acabam se tornando adultos fechados, reprimidos e com dificuldades de estabelecer laços afetivos profundos. Então, todas as instrumentações da vida são positivas, mas têm que ser limitadas. Os pais têm que limitar o uso da internet, entrar em acordo com seus filhos. Não agir simplesmente de forma autoritária, mas estabelecer acordos para processos educativos que levem o jovem a se envovler com esporte, com a sociabilização, com a educação moral, através da educação religiosa, das atividades sociais, a responsabilização com o bem a seus semelhante. O jovem pode ser direcionado para atividades voluntárias, caritativas, que são extremamente educadoras e fazem o jovem conhecer outras realidades, vislumbrar outras perspectivas e, muitas vezes, ressignificar a própria vida e o próprio contexto. É dever dos pais estabelecer os limites e as regras da convivência sem abrir mão desse direito e dessa obrigação moral que eles têm.
Esse ciclo de palestras em Abaeté foi também o lançamento do seu livro “Cura e Autocura”. Fale um pouquinho sobre esse trabalho.
“Cura e Autocura, uma visão médico-espírita”, é uma publicação da Ame editora, o órgão editorial da Associação Médico-Espírita de Minas Gerais, e aborda a saúde e o adoecimento dentro da visão espírita. São 16 capítulos, abordando diversos aspectos como, por exemplo, o perdão como caminho de cura, a caridade como instrumento de cura, a ação do pensamento na saúde e na doença, as curas de Jesus, a saúde e o adoecimento na visão espírita, terapêutica, médico-espírita, bem como o terapeuta como curador e outros assuntos, com apresentação de casos, de trabalhos práticos também nesse sentido, sobretudo o amor e o auto-amor como caminhos de encontro do ser consigo mesmo e de cura do corpo e da alma. Esses livros podem ser adquiridos diretamente na editora através do telefone (31) 3332-5293, pelo site www.amemg.com.br ou nas grandes livrarias em Belo Horizonte.
Para finalizar, deixe uma mensagem de Natal para nossos leitores.
A mensagem de Natal que eu deixo é que todos nós aprendamos a reconhecer em Jesus o guia e modelo de nossas vidas. Ele é a síntese do amor universal, é o grande representante da ética transpessoal do amor, do belo e do bem. Nós temos que entender que sua mensagem não é uma mensagem religiosa para ser vivida nas igrejas, nos centros, nos cultos, mas é uma mensagem para todo dia, para todo e qualquer instante. É uma mensagem de transformação e renovação da alma, de reconexão com o Pai, com o Criador dentro de nós, de religação com a fonte do eterno bem e do belo dentro de nós. As virtudes pregadas e vividas pelo Cristo são a grande referência de vida para que nós conquistemos um padrão de comportamento que seja superior e exemplar, que pacifica nossas almas e realiza nossos espíritos. Deve ser uma mensagem que está muito mais na prática do que nos nossos lábios. Ela tem que estar nas nossas ações, sendo esforço e vivência no dia-a-dia. Ela é a força que pode renovar e transformar a nossa sociedade.